Sistema Único de Saúde

O modo como a assistência à saúde no Brasil estava organizada era decorrência de variados fatores, como:

  • existência de um sistema de saúde que não atendia as necessidades e carências da população, no que diz respeito às políticas de saúde;
  • o acesso seletivo à assistência à saúde, deixando enorme contingente populacional sem atenção;
  • a mobilização governamental para reformular a assistência até então existente;
  • o Movimento da Reforma Sanitária e o Sindical;
  • a ampliação do conceito de saúde;
  • a formulação de proposta de reorientação do sistema de saúde;
  • a criação de legislação que viabilizasse a implantação do SUS.

Todos esses fatores proporcionaram a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo legalmente a democratização da assistência à saúde. Para que se compreenda melhor este processo, será realizada uma retrospectiva de alguns acontecimentos que precederam esta implantação.


Durante a década de 70, vigorava o modelo médico assistencial, baseado em ações curativas, as quais não beneficiavam toda a população, pois somente os trabalhadores contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) contribuiam com a Previdência Social e poderiam dispor desta assistência. Além disso, o atendimento era centrado no setor privado, vinculado e financiado pelo governo federal. Deste modo, nesta época privilegiou-se muito este setor, o qual contrapunha-se ao setor público que apresentava-se defasado, quando comparado ao setor privado, devido ao não investimento econômico no setor público. Cabe ressaltar aqui que o fortalecimento do setor privado atendia aos interesses de determinados grupos, não atingindo as reais necessidades da população.


O contexto político da época era caracterizado pelo autoritarismo, repressão política, censura à imprensa, sendo estas evidenciadas, por exemplo, através de pessoas que eram cassadas. Em meados da década de 70, teve início a abertura política, por meio de eleições, possibilitando a reorganização de movimentos sociais, destacando-se o Movimento Sanitário. Esta foi uma forma dos profissionais da saúde denunciarem as repercussões do modelo econômico sobre a saúde da população e a irracionalidade do sistema de saúde existente na época. Deve-se ressaltar o início do "movimento pelas eleições diretas". Destaca-se também o Movimento Sindical nesta mesma época, o qual preocupa-se com as relações entre saúde e trabalho, visando a melhoria dessa relação, através da articulação intersindical e entre os setores intelectuais da área da saúde.


De acordo com LACAZ (1994, 43) através desta articulação, passou-se a reivindicar a melhoria da organização nos locais de trabalho, visando ao controle da nocividade e a defesa da saúde nos ambientes/locais de trabalho." Este fato proporcionou a criação de vários departamentos sindicais, como por exemplo, o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).


Além disso, o Movimento da Reforma Sanitária propôs alternativas para um novo sistema de saúde com características democráticas. Por meio destas, ampliou-se o número de defensores das mudanças no sistema de saúde, que tiveram a oportunidade de se expressar em 1979, durante o I Simpósio Nacional de Política de Saúde, em que houve elaboração de uma proposta de reorientação do sistema de saúde, tendo como finalidade a estruturação de um Sistema Único de Saúde.


De acordo com RODRIGUES NETO (1994, 9) o SUS "propunha, ao lado da democratização geral da sociedade, a universalização do direito à saúde, um sistema de saúde racional, de natureza pública, descentralizado, integrando as ações curativas e preventivas e democrático, com participação popular."


O governo passou a reorientar a política de assistência médica em 1982, devido ao pagamento do setor privado estar elevado. Deste modo, iniciou a realização de pagamento por diagnósticos, reduzindo acentuadamente as despesas. Houve a implantação das Ações Integradas de Saúde, as quais proporcionaram condições para a criação de vínculo com as instituições públicas de saúde, ao nível estadual e municipal, existindo o repasse financeiro do nível federal para estes últimos. Também ocorreu a criação das Comissões Inter-institucionais de Saúde, as quais eram responsáveis por supervisionar a qualidade do atendimento.


No ano de 1986, intensificou-se o Movimento Sanitário, sendo convocada a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), visando discutir a nova proposta de estrutura e política de saúde para o país. Como resultado deste encontro surgiram propostas de reformulação do sistema nacional de saúde, sendo documentadas e conhecidas como projeto da Reforma Sanitária Brasileira.


De acordo com PAIM (1992, 31), "o projeto da Reforma Sanitária foi gerado na luta contra o autoritarismo e pela ampliação dos direitos sociais." Pode-se perceber que a população passa a lutar por seus direitos de cidadãos e pela melhoria da qualidade de vida. Isso também torna-se evidente pela ampliação do conceito de saúde, explicitado na VIII CNS, na qual "Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde." (Brasil, 1986,118)


Em 1988 foi aprovada a nova Constituição Brasileira, incorporando grande parte dos conceitos e propostas definidas durante a VIII CNS, adotando então, a proposta da Reforma Sanitária e do SUS. Deve-se ressaltar que houve resistência em aceitar tal fato, uma vez que o modelo médico assistencial privatista privilegiava determinados grupos sociais. Porém, para a implantação do SUS, era necessária a formulação de leis, mas somente em 1990 foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde.


Durante a IX Conferência Nacional de Saúde, houve a reafirmação da proposta do SUS. As Normas Operacionais Básicas (NOB) definem as estratégias e movimentos táticos, que orientam a operacionalidade do SUS, viabilizando a implantação do mesmo. Uma delas, segundo RODRIGUEZ NETO (1994,14) "estabeleceu normas e procedimentos para efetivar o processo de descentralização das ações de serviços de saúde, acatando recomendações do Conselho Nacional de Saúde, no sentido de realizar a descentralização para estados e municípios de forma gradual, a partir do preenchimento de critérios de viabilidade em cada situação, até que cada município pudesse ficar autônomo na condução e gestão do SUS no seu âmbito."


Apesar da existência desta NOB, muitas vezes não há repasse de verba para os níveis estadual e municipal, fazendo com que os setores públicos apresentem dificuldades para atingir as propostas do SUS. É importante ressaltar que o governo ainda faz uso de serviços privados contratados e conveniados, os quais também deverão ser pagos, preferencialmente pelo nível municipal.


Para compreender as propostas do SUS, serão abordados seus princípios, ou seja, suas características principais:

  • Universalidade - deve atender, gratuitamente, a todos de acordo com suas necessidades.
  • Integralidade - deve atuar de maneira integral, de forma holística, a fim de prestar assistência, objetivando a promoção da saúde, prevenção e cura da doença.
  • Descentralizado - deve permitir aos níveis estadual e municipal coordenar as ações de modo que a implantação do SUS esteja de acordo com seus princípios. As ações devem estar concentradas no nível municipal, já que ocorreu a municipalização da saúde, privilegiando e respeitando as características particulares de cada município, fazendo com que o nível federal apenas transfira o pagamento para os demais níveis administrarem as ações.
  • Racional - deve-se disponibilizar ações nos diferentes níveis de atenção, atentando para as características da clientela em cada setor, a fim de suprir e solucionar suas necessidades. Também é necessário atentar para a contratação ou não de serviços privados, realizando o contrato em nível municipal, podendo atuar no controle e qualidade dos serviços prestados pelos mesmos.
  • Eficaz e Eficiente - deve ser capaz de solucionar o problema de quem o procura, ou seja, garantir qualidade e resolutividade do serviço. Para que isso ocorra, também há a necessidade de adequar-se à realidade da comunidade e à disponibilidade de recursos, administrando os recursos públicos de modo eficiente.
  • Democrático - deve permitir a participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema, ajudando a delimitar a política no seu nível de atuação, auxiliando no melhor modo de administração que garanta qualidade de vida e do serviço à comunidade.Há os Conselhos de Saúde nos três níveis, exercendo controle social do SUS, a fim de garantir a sua implantação.

Estes princípios do SUS foram estabelecidos legalmente, porém há a necessidade de que o SUS seja implantado de forma a respeitá-los e, principalmente, garantir à população o acesso a um serviço de saúde com qualidade, contribuindo para manter uma melhor qualidade de vida e de saúde da população.

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