O homem paradoxal


Deus criou o homem. E desde então o homem tem criado. Não há dúvida de que esta é uma herança divina: criar. Criar é muitas vezes o mesmo que destruir. Para se criar é preciso se desapegar de idéias convencionais, do óbvio estabelecido, dos paradigmas vigentes. Desmontar um conceito. Desafiar uma regra. Assim tem sido a criação do homem sobre a terra.
Desde a roda, o homem inventa. Inventou maneiras de cultivar a terra e de domesticar animais e assim criou a civilização, abandonando uma vida errante e transitória. Alguns milênios depois, descobriu formas de juntar e moldar peças para então construir o tear, seguido dos processos de impressão gráfica e do motor a vapor, e iniciar a revolução industrial. E tudo o mais que veio depois. Séculos adiante, o homem mostrou que ainda podia fazer uma nova revolução criadora. E as tecnologias de processamento da informação e as telecomunicações demonstraram nosso poder e fizeram o nosso planeta ficar do tamanho de uma aldeia. E assim viajo pelas criações humanas. Das mais simples às mais complexas. Porém, todas com o impressionante poder de me fascinar. Uma imagem gravada no papel, a fotografia. Um livro, uma obra de arte, um espetáculo musical. A harmonia de uma orquestra. A velocidade de um avião à jato. A força de um trator e a simplicidade e utilidade de uma carroça. A seleção brasileira jogando do outro lado do mundo enquanto eu assisto no conforto de minha casa. Um remédio que cura, milagrosamente. Um médico que opera um coração e salva uma vida. O aparelho que me acorda todas as manhãs na mesma hora e que assim me organiza a vida. A torneira que me fornece água limpa e cristalina. O papel, branquinho, para meus filhos desenharem. As comidas, receitas tão sofisticadas e intrigantes, e os doces, que tanta magia exercem em nossas vidas.
São tantas. São muitas. As criações do homem sobre a terra. Há milhares de anos atrás, logo após aprendermos a andar sobre duas pernas, ainda comíamos frutos que colhíamos das árvores ou do chão. A produção natural de alimentos poderia alimentar cerca de dez milhões de seres humanos. Pouco importava, éramos apenas alguns milhares.
Hoje, somos mais de seis bilhões de habitantes e produzimos alimentos para a grande maioria. Uma notável capacidade de criar.
Mas criamos a um custo muito alto. Estamos à beira do abismo da nossa autodestruição. Mérito exclusivo da espécie humana. A queima dos combustíveis fósseis, aquela inocente fumacinha que sai pelo cano de escape do caminhão à nossa frente, está aquecendo sistematicamente nosso planeta a níveis nunca antes imaginados. A destruição da camada de ozônio, provocada pelo simples gesto de apertar o desodorante ou abrir a geladeira, também está provocando efeitos irreversíveis na cadeia alimentar que em breve serão sentidos pela humanidade. E as armas? Na guerra, há cem anos atrás, a bomba mais formidável poderia matar três ou quatro pessoas se caísse bem ao lado delas. Na segunda guerra mundial as bombas arrasa-quarteirões causavam um estrago bem maior. Tinham uma potência mil vezes superior às suas antecessoras. A bomba de Hiroshima mostrou ser capaz de arrasar toda uma cidade. Mil vezes mais potência de novo. As modernas bombas de hidrogênio podem superar com folga tudo isso. Mil vezes mil vezes mil é igual a um bilhão. Em apenas um século criamos armas de destruição em massa um bilhão de vezes mais mortais. Para se ter uma idéia da grandeza desse número: um milhão de segundos equivalem há 12 dias; um bilhão de segundos são mais de 32 anos.
Este é o homem paradoxal. Que cria vida. Que cria morte. Que tem uma inteligência superior, mas não percebe os mínimos efeitos da sua ação sobre sua própria vida, muito menos a de seus filhos e netos. Eu acredito no homem – a maior das criações. Só espero que ele não destrua tudo, ou então sobrará nada para Deus criar de novo.

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